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Bruno Astuto: O mercado da moda e a pandemia



Quando este pesadelo acabar, será que vamos consumir com mais responsabilidade ou de maneira voraz? Haverá a tal da “compra de vingança” (termo usado para um suposto corre-corre nas lojas depois de um tempo de consumo reprimido) ou, por causa do estado da economia em frangalhos, as pessoas vão pensar duas vezes antes de passar o cartão? Os clientes vão pensar mais na sustentabilidade e na ética das relações de trabalho que estão por trás de uma etiqueta? O ato de refletir sobre o futuro é muito bem-vindo, pois só o fato de pensar nele já demonstra nossa crença de que ele existirá.

 

Mas hoje eu vou falar de presente, em especial sobre o mercado de moda, sobre o qual esta publicação se debruça há 56 anos. Este mais de meio século entroniza ELA como o suplemento feminino mais antigo do Brasil em atividade, que já acompanhou uma ditadura militar que sufocava, perseguia e matava os profissionais criativos, planos econômicos loucos, turbulências políticas. Mas nunca uma pandemia viral.

Segundo dados do Sebrae, o setor têxtil e de moda envolve no Brasil 8 milhões de empregos, direta e indiretamente, representando 16% da empregabilidade nacional. É o segundo maior empregador da indústria de transformação, perdendo apenas para alimentos e bebidas, juntos. Fala-se tanto em empoderamento feminino; pois bem, 75% desta mão de obra são mulheres. Deixá-lo morrer seria catastrófico.

A moda nacional consegue fazer fashion weeks, show-rooms, salão de negócios, butiques, e-commerces, mas é péssima na hora de se unir e se mostrar como setor útil da economia. Num cenário de caos, como o de hoje, o que estamos vendo é um triste cada um por si, com raras exceções.

E ainda existe um problema de comunicação. A única opção, agora, é a venda por delivery ou comércio eletrônico — para isso, é preciso se mostrar digitalmente. Mas como oferecer roupas, sapatos e bolsas sem machucar sensibilidades, num momento em que todo mundo está pensando em sua saúde, segurança e no número de mortos que só faz crescer? Não seria tentar vender uma postura moralmente condenável? Não é. Se não vende, você terá que demitir, fechar lojas, cancelar pedidos e desmoronar toda uma cadeia de empregos. Não tenha vergonha do seu ofício e da luta pelo sustento das milhões de pessoas que dependem desse trabalho. Só entenda que o estado de espírito e a gramática das relações mudaram.

Em nome da própria segurança, as pessoas estão voltando a valorizar a informação de qualidade e bem checada. Essa tendência da genuinidade vai continuar quando o vírus se for. Recupere o DNA da sua marca e as razões pelas quais seus clientes começaram a gostar, lá atrás, das suas criações.

Restabeleça sua lista de propósitos. Ligue para o seu concorrente; divida suas angústias e pergunte como pode ajudar. Convide pessoas de diferentes gêneros, cores e camadas sociais para contribuir com ideias inovadoras, porque, trancando-se no seu próprio universo, você não vai conhecer outros que estão à sua espera.

Invista em conteúdos diversificados, mas fiéis a sua natureza. Mostre que a sua marca, assim como você, é sensível ao momento, ao luto e à vulnerabilidade econômica da imensa maioria da população. Use seus canais para reforçar as medidas de segurança, para ampliar discussões e pensamentos. Preste atenção nas imagens: nada de ambientes palacianos, closets imensos; existe beleza também na sobriedade. Pense sobre o que Maria Antonieta faria — é exatamente o contrário do que você deve fazer. Seja atencioso com quem comprar nos seus canais; vale um bilhete à mão ou um agradecimento pessoal do vendedor que depende daquela comissão. E, assim, mostre, com orgulho, o trabalho que suas costureiras, bordadeiras, modelistas e criativos desenvolveram com tanto esforço e dedicação.

O momento é dificílimo e, por ora, não sabemos quando vai terminar. Mas, entre todas as elocubrações sobre o futuro, apenas uma é certa: a postura de agora será fundamental na sobrevivência do depois.

Fonte: Revista Ela – @Brunoastuto (https://oglobo.globo.com/ela/bruno-astuto-mercado-da-moda-a-pandemia-24378598)

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